Imprensa em Questão
IMPRENSA EM CRISEJornais, jornalismo, profecias
Por Nilson Lage em 14/4/2009
Reproduzido do Jornal do Brasil, 11/4/2009; intertítulos do OI
O Seattle Post-Intelligencer, fundado em 1863 – "o mais antigo do estado de Washington" –, foi o primeiro grande jornal a desistir, em 17 de março último, da edição em papel, transferindo-se com textos, fotos e vídeos para seu site.
A Hearst Corporation, dona do Post-Intelligencer, faz, com isso, uma experiência-piloto capaz de se multiplicar nas médias cidades americanas (Seattle tem cerca de 600 mil habitantes). Poderá, assim, evitar o que aconteceu com a Kodak ou com as fábricas suíças de relógios: ao pretenderem a coexistência da tecnologia tradicional com a inovadora (câmeras e relógios digitais), perderam fatias expressivas do mercado.
Em pequenas e grandes comunidades, os jornais impressos continuam sendo referência na guerra ideológica. Governos e grupos financeiros de países da Europa Ocidental têm tido êxito na tarefa de impedir a internacionalização da mídia; para isso, investem diretamente na indústria da informação. O Corriere della Sera, por exemplo, o mais conhecido jornal italiano, pertence ao grupo Mediobanca, à Fiat e a outros investidores locais.
Nos EUA, com sua tradição ultimamente não muito honrada de jornalismo objetivo, a disputa é mais nítida. De Nixon a Reagan e aos Bush, o país foi invadido pela News Corporation, do australiano Rupert Murdoch, e pelos dólares do coreano Sun Myung Moon, o Reverendo Moon, da Igreja da Unificação. Hoje, Murdoch, de 78 anos, controla o New York Post, concorrente do New York Times; a Dow Jones & Company (portanto, o Wall Street Journal); e a audiovisual 20th Century Fox (portanto, a Fox News, que concorre com a CNN). Moon, de 89 anos, com seu Washington Times, não teve o mesmo êxito na tentativa de conter o Washington Post, cuja tiragem é sete vezes maior.
Repertório limitado
Murdoch e Moon são capitães de uma imprensa ultraconservadora e, de qualquer ângulo que se analise, tendenciosa. Já o New York Times e o Washington Post, veículos de tradição liberal, enfrentam as dificuldades do empreendimento jornalístico aparentemente com menor suporte financeiro.
Vendas e receita publicitária dos diários caem por toda parte e eles se mostram altamente sensíveis à crise econômica. A médio prazo, irão sobreviver? Muitos acham que não. Um dos argumentos é que não conseguiram até hoje encontrar um estilo que combine conhecimento enciclopédico com a linguagem do dia-a-dia para, apoiados em bancos de dados, no testemunho dos repórteres e nas facilidades atuais de comunicação, ir além do noticiário que os veículos eletrônicos – internet, rádio, televisão – exploraram intensamente na véspera.
Os chamados "jornais populares", que pareceram em dado momento a saída, ocupam-se mais das paixões (eróticas, desportivas) e dos temores (a violência, o sobrenatural) do público minguante dos não-digitalizados. Com repertório limitado de anunciantes (geralmente vendas a varejo, classificados com ofertas de menor custo), seu orçamento é modesto e seu destino incerto, pelo menos nos países do "grupo dos 20", aquele de que se espera a solução de todos os problemas do mundo.
Duração limitada
Redações encolhem; multiplicam-se os free-lancers. Mas são sinais enganadores. Quer os jornais sobrevivam ou não, por 10 ou 100 anos, o jornalismo deverá expandir-se notavelmente, tanto na área institucional (o diálogo direto da fonte com o acionista, consumidor ou usuário) quanto em iniciativas antes temerárias. Por exemplo, a hiper-especialização quanto ao tema ou quanto ao público; a instalação com baixo custo de sistemas de informação – vídeo, som, fotos, textos – em comunidades menores ou com renda limitada (o que, no Brasil, valeria para a interiorização do jornalismo); a comunicação interativa.
O discurso liberal, comum nos EUA (onde os liberais são progressistas, os únicos socialmente aceitos), promete que o jornalismo será desnecessário quando "qualquer um" tiver acesso à internet. É sofisma. O processamento de informação exige dedicação integral, conhecimentos específicos e compromissos com as fontes e os leitores, ouvintes ou espectadores. E o público sabe disso: quem duvida deve consultar estatísticas que indicam onde as pessoas vão buscar informações jornalísticas na internet.
Tirando "fenômenos" de duração limitada – a moça que revela intimidades de alcova, o senhor idoso que filosofa sobre como os tempos mudaram – lá se vão em bandos para os endereços do New York Times, Le Monde, El País, Al Jazeera, Ha´aretz...
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